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A Aparição a "João Mudo" no Caminho Português de Santiago

A Aparição a "João Mudo" no Caminho Português de Santiago

Da consulta do livro "Lendas e tradições do Caminho Português de Santiago" (Xunta de Galicia, 2006; Galicia, Claudio Buratti Bermúdez, Portugal, Carlos A. Brochado de Almeida), conta a história que: 

A encosta do Monte Crasto, em Balugães, três léguas a norte da cidade de Barcelos, era o local de pasto de um pequeno rebanho acompanhado por um pobre pastor, “mudo e simples”, de seu nome João Alves. O local era relativamente despovoado, mas carregado de relatos de “mouras encantadas” que vagueavam pelo monte em noites de luar, encaminhadas para a feira de Ponte ou, talvez, para Santiago de Compostela.

Quem percorre o Caminho Português de Santiago entra na freguesia de Balugães pela Ponte das Tábuas

Na casa de João Alves normalmente faltava o pão e a fome potenciava a sua própria infelicidade. Eram várias as vezes, senão a maioria, em que o conhecido como João "Mudo" conduzia o pasto, em pleno monte, com a fome instalada em plena barriga.

Numa normal tarde de agosto, no ano de 1702, em que a fome atormentava João “Mudo”, apareceu-lhe, de súbito junto a um penedo, a Senhora, que lhe perguntou porque chorava.

João levantou os olhos e viu, sobre o penedo, a Senhora. Ele, que nascera mudo, respondeu‑lhe, ainda que com medo: “Tenho fome! Em casa não temos pão!

A Senhora respondeu-lhe: “Vai dizer a teu pai que te dê pão”.

Ainda espantado, mas também porque a fome lhe despertava as pernas, correu na direção de sua casa e, como a Senhora lhe tinha dito, pediu ao pai que lhe desse pão. O pai, nem sequer  reparando que o filho falava, respondeu-lhe que não havia pão em casa.

Cabisbaixo, João “Mudo” regressou novamente ao penedo da Aparição, para perto do seu rebanho, ainda mais desanimado e com mais fome do que antes. Novamente, a Senhora voltou a perguntar-lhe porque chorava. E João respondeu-lhe da mesma forma: “Tenho fome! Em casa não temos pão!”

A Senhora repetiu a mesma indicação: “Vai para casa e pede pão ao teu pai!

O rapaz desesperado e desanimado, retorquiu-lhe: “Já fui e o meu pai disse-me que não há pão em casa!”. Mas a Senhora acrescentou: “Ele que vá ao forno. Lá encontrará pão”.

“João Mudo”, que nesta altura já não o era, correu novamente para casa e, desta vez, a sua família encontrou o forno cheio de pão. Só nessa altura é que repararam que João falava normalmente: João tinha-se curado do mutismo!

Após o milagre do pão em casa dos pais de João “Mudo”, a Senhora disse a João para pedir a seu pai que lhe construísse uma capela sobre o penedo onde tinha aparecido. O pai de João “Mudo”, pedreiro de profissão, trabalhava, à data, na reconstrução da ponte de Barcelos. Tendo consciência que o pedido da Senhora deveria ser concretizado, João percorreu, apressado, as três léguas que separam Balugães da ponte sobre o Rio Cávado. Ao chegar a Barcelos, avançou, sem cuidado, em direção ao pai que carregava pedras sobre os andaimes da ponte. Sem pensar no perigo que corria, acabou por tropeçar, perder o equilíbrio, e cair ao rio. Contudo, as mãos delicadas da Senhora que lhe tinha aparecido nos penedos do Monte Castro em Balugães o salvaram, colocando-o no areal.

Localização da Capela da Aparecida, na etapa entre Barcelos e Ponte de Lima (in John Brierley, "Camino Portugués, A Pilgrim's Guide to the", 2019)

Este segundo milagre da Aparecida emocionou o pai e todos os homens que ali trabalhavam. E estes concretizaram o pedido da Senhora: pouco tempo depois a imagem de Nossa Senhora da Aparecida brilhava no altar da capelinha construída sobre os penedos onde apareceu a Virgem, em agradecimento do milagre ocorrido com o filho. João “Mudo” foi o primeiro sacristão do santuário. Quando faleceu, o seu corpo foi sepultado no interior do templo implantado no local da aparição.

Desde essa altura que começaram a chegar a Balugães os povos do Vale do Neiva e muitos dos que peregrinavam até Santiago começaram a subiam a pequena ladeira para louvar a Mãe de Deus e dos homens. A fama do jovem “mudo” que, por milagre da Senhora, começou a falar, depressa se espalhou pelos territórios mais próximos. Diz também a lenda que só aqueles que não possuem pecados conseguem passar pela estreita abertura existente entre os penedos, debaixo da primitiva capela.

O Santuário de Nossa Senhora Aparecida em Balugães, local da primeira aparição Mariana em Portugal é, por excelência, um lugar de oração. Todos os anos, nos dias 14 e 15 de agosto, muitas dezenas de milhares de peregrinos, de forma organizada, das inúmeras freguesias limítrofes e de vários pontos do país, aqui peregrinam.

Interior da Capela construída sobre os penedos onde apareceu a Virgem