
Alto da Mulher Morta - Macieira de Rates
Por um caminho de terra batida, ladeado por muros velhos em pedra, quem peregrina pelo Caminho Português de Santiago entra no concelho de Barcelos pela freguesia de Macieira de Rates e percorre o "Alto da Mulher Morta". Contudo, poucos que por ali passam sabem que a este lugar está associada uma lenda: a "Lenda da Mulher Morta".
Diz a Lenda que, num certo tempo, houve neste local um enorme fogo. O sino "tocou a rebate" e toda a população tentou acudir ao incêndio. Mas a altura e a força das chamas era tal que só mesmo com a chegada do fogo aos terrenos cultivados, o anoitecer e os esforços da população foi possível que o fogo se extinguisse. Ao amanhecer, os proprietários dos terrenos voltaram ao local do incêndio para avaliar os prejuízos. Em determinada altura, um popular, em pânico, gritou por um achado sombrio: uma mulher carbonizada!
Vieram as autoridades para dar nota do ocorrido e levantar o corpo. Nos dias seguintes, todos procuraram saber a quem pertenceria aquele corpo, uma vez que tanto em Macieira de Rates como nas freguesias vizinhas, não se tinha dado pela falta de ninguém. Os dias foram passando, e todas as tentativas para saber a identidade da mulher revelaram-se infrutíferas. E, de facto, até hoje, nunca foi possível encontrar uma explicação para a falta de identificação da mulher encontrada. Talvez alguma viajante, uma pobre pedinte... ou uma Peregrina! E, desta forma, o local de entrada no concelho de Barcelos pelo Caminho Português de Santiago é denominado por "Alto da Mulher Morta"!
A "mulher morta" aparece, também, associada a uma outra (versão da) lenda por terras de Rates. O livro "Lendas e tradições do Caminho Português de Santiago" (Xunta de Galicia, 2006; Galicia, Claudio Buratti Bermúdez, Portugal, Carlos A. Brochado de Almeida) apresenta uma outra história carregada de "simbolismo":
Num determinado final do dia, dois lavradores, pai e filho, aproximavam-se do Mosteiro de São Pedro de Rates com uma junta de bois de raça galega. Pretendiam chegar à feira de Barcelos, ao nascer do dia seguinte, com os produtos que levavam no carro. Ao passar junto de uma pequena estalagem, pararam para alimentar os animais mas, também, para beberem uma malga de vinho. Aí encontraram Peregrinos que se preparavam para pernoitar, antes de continuarem a sua jornada a caminho de Barcelos e Santiago de Compostela. Como a noite se aproximava, o estalajadeiro perguntou-lhes se ali pretendiam dormiam. Perante a resposta negativa dos lavradores, não deixou de avisar que não era de cristão aventurarem-se depois das Trindades (hora da tarde em que se rezam as avé-marias) pelos caminhos que passavam pelo Alto da Mulher Morta. Curiosos, quiseram saber o que havia de tão perigoso nesse local. "É carneiro preto que por lá aparece fora de horas. Um dia morreu ou por lá mataram uma mulher e desde então é sítio excomungado", disse o estalajadeiro.
Aos lavradores não faltava a coragem, mas um "frente-a-frente" com almas penadas não era o que mais ansiavam. Mesmo assim, a feira era no dia seguinte, e "o que tem que ser tem muita força". "Bem, se teimam em ir, pelo menos não abandonem a soga dos bois. Assim estão protegidos!".
Depois de se despedirem dos Peregrinos e do estalajadeiro, seguiram caminho, noite dentro. Foram percorrendo um caminho fundeiro cercado de pinheiros, campos de milho e vinhas. A lua ia iluminando o caminho... até que se avistou o pinhal do "desassossego". Com o aproximar do local indicado pelo estalajadeiro, puseram-se à frente dos bois, que começavam a ficar inquietos. Mais alguns metros caminhados... e os bois pararam! Simplesmente não se mexiam! Pai e filho olharam em todas as direções. A pouca luminosidade adensava todo o ambiente. E, de repente, viram-no: ali estava o carneiro preto, parado, bem no meio do caminho, de pelo sedoso, escuro, narinas fumegantes e um olhar fixo nos intrusos.
"E agora?" - exclamou o filho todo a tremer. "Acalma-te que eu trato deste estafermo!" - respondeu o pai. O lavrador, que era "experiente" em assuntos de mau olhado e almas penantes, clamou em voz forte:
Água benta de sete bicas
Água de sete fontes
Sangue de sete galinhas pretas
Terra de sete sepulturas
Padre Nosso. Avé Maria
Um enorme estrondo ressuou por toda a pacatez do pinhal. O carneiro desatou a fugir monte dentro e no ar ficou um odor a enxofre. "Desta livramo-nos nós!" - disse o pai - "Com a bênção de Deus, vamos para a feira!"
No regresso, quando por ali passaram, lembraram-se do que tinha acontecido. Decidiram construir, naquele local, um cruzeiro em pedra. E, desde essa altura, nunca mais por ali apareceu o tal carneiro preto!