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Pela Valorização do Caminho Português de Santiago

Pela Valorização do Caminho Português de Santiago

A proposta para a inclusão dos "Caminhos Portugueses de Peregrinação a Santiago de Compostela" (efetuada em 2015 - ver conferência em Barcelos pelo relator da proposta de inclusão aqui) na lista indicativa de Portugal para inscrição como Património Mundial da UNESCO inclui a indicação de cinco itinerários:

- Caminho "Central", itinerário principal, entre Lisboa e Santiago de Compostela, via estruturante de todo o Caminho Português de Santiago, com passagem por Coimbra (Tesouro da Rainha Santa Isabel), Porto (antigo Hospital dos Palmeiros), S. Pedro de Rates (lendário discípulo de Santiago), Barcelos (Cruzeiro do Senhor do Galo), Ponte de Lima e Valença do Minho. Até um passado muito recente, este era o único itinerário utilizado pelos Peregrinos (ver, por exemplo, a publicação da AGACS em 2006), sendo consensualmente considerado, aliás, como o Caminho Português de Santiago. De notar que este itinerário, tal como o Caminho Francês em território espanhol, é o mais representativo da identidade religiosa, cultural e etnológica do território português relativa a esta Peregrinação. Por outro lado, afigura-se, atualmente, também como um caminho alternativo e seguro para as peregrinações a Fátima, retirando os peregrinos dos itinerários rodoviários. Salienta-se, adicionalmente, que na presente data trabalha-se, a sul de Lisboa, na ampliação do Caminho Central, entre Faro e Lisboa, reforçando a sustentação deste itinerário como o principal e estruturante do Caminho Português de Santiago;

- Caminho da Costa, derivação e/ou alternativa do Caminho Central desde S. Pedro de Rates, com passagem por Viana do Castelo, entroncando no Caminho Português de Santiago em Valença ou Redondela;

- Caminho Interior, com início em Viseu e passagem em Lamego, na ponte medieval de Oura e em Chaves;

- Caminho de Torres, com início em Salamanca, com passagem por Amarante, Guimarães e Braga, entroncando no Caminho Português de Santiago em Ponte de Lima;

- Caminho Nascente, entre Tavira e Trancoso (onde entronca no Caminho de Torres) não tendo, contudo, atualmente, infraestruturas de apoio e relevância no número de Peregrinos que o percorre.

Conferência "Caminho Português de Santiago a Património Mundial da UNESCO?" por Paulo Almeida Fernandes, relator da proposta de inclusão dos Caminhos Portugueses de Peregrinação a Santiago de Compostela na Lista Indicativa de Portugal para inscrição como Património Mundial (UNESCO)

Não existe estatística "oficial" do número de Peregrinos que percorrem os itinerários supra identificados. Aliás, mesmo o número de Peregrinos registados pela Oficina do Peregrino em Santiago de Compostela peca, certamente, por escasso, porque vários Peregrinos optam por não solicitar a Compostela no final da sua Peregrinação. Contudo, tendo como base os dados disponibilizados pelos quatro Albergues de Peregrinos existentes no concelho de Barcelos e pelas distintas unidades de alojamento existentes ao longo do Caminho Português de Santiago em Barcelos, poderá constatar-se que o Caminho ("Central") Português de Santiago é o escolhido por, pelo menos, 75% dos Peregrinos que o percorrem em território nacional. Esta percentagem significativa de Peregrinos demostra, de forma inequívoca, a vivacidade do itinerário principal do Caminho Português a Santiago de Compostela e a respetiva dinâmica de crescimento registada ao longo dos últimos anos que, independentemente do aparecimento de alternativas à "espinha dorsal" e histórica do Caminho Português de Santiago, mantém um crescimento progressivo e sustentado. Por outro lado, sente-se, por parte da Comunidade Local que interage, diariamente, com os Peregrinos do Caminho ("Central"), um apoio constante e altruísta que tem sido muito valorizado por parte dos Peregrinos, somente inerente a territórios com “cultura de caminho”, na medida que a cultura jacobeia e a ligação secular destas comunidades a esta Peregrinação tem incontornáveis ligações históricas, aliados à segurança e às estruturas de apoio existentes (principalmente associativas), fazem deste itinerário o mais procurado pelos Peregrinos em território nacional (sendo o segundo itinerário mais percorrido, depois do Caminho Francês, da totalidade do Caminhos que chegam a Compostela).

Cruzeiro do Senhor do Galo - representação da Lenda do Galo que rememora o único milagre de tradição jacobeia ocorrido em território nacional e um dos primeiros na Europa, representada pelo Galo de Barcelos, um dos principais símbolo de identidade nacional

Desta forma, somos da opinião que urge realizar ações de proteção, valorização, divulgação e promoção do Caminho ("Central") Português de Santiago, na medida em que:

- é a via estruturante e principal do Caminho Português de Santiago, percorrida por um maior número de Peregrinos em direção a Santiago de Compostela, apoiados pelas várias estruturas de apoio existentes, nomeadamente Albergues e Help Points, sendo esta a impulsionadora da "criação" das atuais alternativas e/ou variantes existentes que têm vindo a ser impulsionadas principalmente por investimento público. É, também, o itinerário onde a cultura do Caminho se encontra intrinsecamente instalada nas Comunidades Locais, onde o número de Voluntários, Associações e/ou Entidades Jacobeias é superior e o que tem crescido de forma "natural" (sem intervenção externa de financiamentos públicos);

- a Peregrinação a Fátima necessita, urgentemente, da criação de alternativas à Peregrinação pelas estradas nacionais (sendo estas normalmente palco de acidentes por vezes mortais) que criem uma via segura para o caminho que milhares de Peregrinos fazem a pé, anualmente, à Cova da Iria. A utilização do Caminho ("Central") Português de Santiago (entre Lisboa e Fátima) e, o mesmo Caminho no sentido inverso, entre o Porto e Fátima, é a opção mais económica e célere na criação dessa alternativa, utilizando as infraestruturas existentes mas, também, reforçando-as, tornando mais eficiente e sustentável todo o investimento nelas efetuado e a efetuar;

- é o itinerário com maior projeção internacional, número de estruturas de apoio e objeto do maior número de guias internacionais (em diversos idiomas) e consequente difusão de informação, servido pelos Aeroportos Humberto Delgado (em Lisboa) e Francisco Sá Carneiro (no Porto), onde estão instaladas bases aéreas de empresas "low cost" que potenciam/facilitam a chegada de Peregrinos internacionais;   

Livro fotográfico da jornalista, fotógrafa e peregrina brasileira Andréa Prestes denominado "Caminho de Santiago: de Portugal até ao Fim do Mundo"

- as dezenas (centenas, no Verão) de Peregrinos que percorrem diariamente este itinerário são potenciadores do desenvolvimento das áreas rurais e de baixa densidade, dinamizando a sua economia (em alguns casos, são a principal fonte de receita), criadores de emprego em zonas desfavorecidas, contrariamente a outros itinerários que promovem a Peregrinação por zonas costeiras e/ou marginais de aglomerações urbanas, onde o principal "cliente" são os veraneantes e os locais (consequentemente, considerando-se economicamente irrelevante a passagem de Peregrinos); 

- o constante aumento do número elevado de Peregrinos cria a necessidade de melhoria das infraestruturas associadas, nomeadamente das condições de segurança nos (reduzidos) tramos coincidentes com vias rodoviárias, na limpeza e manutenção periódica dos caminhos, no apoio às Associações e/ou Entidades (principalmente constituídas por voluntários que, diariamente, promovem a Hospitalidade entre os Peregrinos - principal via de promoção do Caminho de Santiago), na difusão nacional e internacional de informação atual e credível sobre os itinerários e pontos de apoio, na proteção de todo o Património Cultural e Histórico existente ao longo do itinerário e na ratificação municipal de itinerários, incluindo-os, por exemplo, nos PDM municipais (como é o exemplo de Barcelos);

o crescimento do fenómeno jacobeu no território nacional tem, contudo, levado a várias ações desconcertadas, principalmente por entidades públicas, que têm conduzido, principalmente, à descaracterização do Caminho ("Central") Português de Santiago, desvirtuando-o com a criação de traçados sem suficiente fundamento e/ou cultura jacobeia, financiados "externamente" com recursos públicos, desviando traçados por motivos meramente comerciais e/ou turísticos, entre outros, enfraquecendo a via estruturante e principal do Caminho Português de Santiago (e a que deu origem às atuais alternativas e/ou variantes). Ressalva-se que as variantes e/alternativas identificadas anteriormente são, obviamente, válidas e devem ser promovidas e protegidas, nacional como internacionalmente. Contudo, o investimento (eficaz?) efetuado nesses (e noutros) itinerários não pode, em caso algum, ser superior nem tentar alterar a hierarquia dos itinerários portugueses de Peregrinação, prejudicando todo o Património Material e Imaterial que é o Caminho ("Central") Português de Santiago.

O Caminho Português de Santiago é constituído por uma via estruturante, principal, claramente definida (Lisboa, Coimbra, Porto, S. Pedro de Rates, Barcelos, Ponte de Lima, Valença, Tui e Santiago de Compostela) mas, também, por variantes e/ou alternativas que são e serão essenciais para absorver uma expectável "saturação" a longo prazo do Caminho Português de Santiago, tal como ocorre, atualmente, no Caminho Francês.

O Caminho de Santiago não é um produto e/ou recurso turístico que pode ser desvirtuado por intenções individuais, municipais, associativas e/ou locais (sem visão global do fenómeno, presas a interesses pontuais e apriorísticos que colocam em causa posicionamentos do passado recente, nomeadamente investimentos públicos e/ou da Comunidade Local): é, principalmente, um Património Cultural e Espiritual de promoção da Universalidade, da Pessoa Humana e da Paz entre os povos, não escolhendo idade, profissão, nacionalidade, raça, etnia, género nem religião. Assim, o foco das ações de Promoção do Caminho Português de Santiago deverá ser, sempre, o Peregrino e os seus interesses, e não outro tipo de condicionantes que colocam em risco todo o Património construído ao longo de séculos.