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Quanto tempo pode o Caminho esperar?

Quanto tempo pode o Caminho esperar?

Em tempos de pandemia, todos tivemos (e vamos tendo) necessidade de alterar hábitos e rotinas. E a Associação ACB - Albergue Cidade de Barcelos não é, obviamente, diferente. Por isso, no passado dia 2 de maio de 2020, promovemos uma conversa "informal", em sala virtual, sob o tema "Quanto tempo pode o Caminho esperar?". Agradecemos, desde já, a disponibilidade de todos os intervenientes e participantes. E, uma vez mais, toda a confiança e apoio da Vereação do Turismo do Município de Barcelos que colaborou nesta iniciativa.

Uma breve nota de enquadramento:

No passado dia 6 de março de 2020 (sexta-feira) sentimos necessidade de implementar um Plano de Contingência no Albergue Cidade de Barcelos no seguimento das notícias que iam aparecendo relativas à pandemia COVID-19. Esse Plano de Contingência visava, principalmente, a redução da capacidade de acolhimento, a criação de uma área reservada de isolamento (para eventuais casos suspeitos), a disponibilização de informação aos Peregrinos sobre os melhores hábitos a adotar (perante a pandemia que estava a dar os "primeiros passos" em território europeu) e o apelo ao sentido de responsabilidade dos próprios Peregrinos (para que não utilizassem o Albergue se se sentissem um potencial caso de infeção). Contudo, somente 5 dias depois (11 de março, quarta-feira), logo surgiu a necessidade de fechar o Albergue Cidade de Barcelos por se considerar não estarem reunidas as condições de Segurança (especificamente ao nível de Saúde Pública), tanto dos Peregrinos como, também, da Comunidade Local. Foi a primeira vez que o Albergue Cidade de Barcelos não esteve disponível para Peregrinos desde o dia da sua abertura - julho de 2012 (sempre esteve aberto, 365 dias por ano). Logo depois, no dia 14 de março de 2020 (sábado) a totalidade dos Albergues de Peregrinos, em Espanha e Portugal, encontravam-se fechados.

Mesmo depois de fechar portas, a nossa Associação (como tantas outras que tivemos conhecimento) tiveram necessidade de apoiar os Peregrinos que viram a sua Peregrinação "cancelada" e, desta forma, ainda se encontravam (perdidos) no Caminho (foi necessário providenciar alojamento, deslocações, etc). Em janeiro e fevereiro do corrente ano constatou-se um aumento de peregrinos comparativamente aos mesmos meses de 2019. Os Albergues (e o Caminho) fecharam precisamente na altura em que o número de Peregrinos começava a crescer exponencialmente. De facto, rapidamente passamos de discussões relativas à massificação do Caminho de Santiago, dos "Turigrinos" e da imposição de Regulamentação de Albergues e, até, do próprio Caminho para... um completo "vazio" (um "ponto zero").

Depois das situações anteriormente referidas (ainda que pontuais) dadas como resolvidas, uma Associação como a nossa só podia mesmo "esperar". Contudo, com o Albergue fechado e vazio decidimos, no dia 16 de março (segunda-feira) disponibilizar publicamente o Albergue (tanto ao Município como à Comunidade Local) para dar resposta a qualquer necessidade emergente, como seria o acolhimento de profissionais de saúde, acolhimento temporário de utentes de lares e/ou como estrutura de retaguarda de alguma instalação de saúde. Felizmente, até à data, não foi necessário recorrer a esta cedência.

Sempre dissemos que o Caminho pode esperar… mas pode esperar até quando?

Com o Caminho "fechado" e com obrigações de distanciamento social... para que servem as Associações Jacobeias? Em tempo de paragem e confinamento, cumpre avaliar e discutir o futuro, que queremos que seja próximo (embora sem saber quando): preparemo-nos para a retoma do Caminho, da Peregrinação e da Hospitalidade!

- A segurança sempre foi uma das grandes "marcas" associadas ao Caminho de Santiago. Muitos Peregrinos vêm para o Caminho (e virão) porque sabem que é seguro. Não podemos nem devemos abdicar da Segurança. E Segurança, nestes tempos, é principalmente a Segurança relativa à Saúde Pública. A Peregrinação a Santiago tem duas fases diferentes durante um dia de jornada: de manhã caminhamos, livremente, pela Natureza (e, aí, haverá facilmente Segurança); mas à tarde e à noite, precisamos dos cafés, dos bares, dos restaurantes... e dos Albergues (ou de outros Alojamentos)... precisamos do convívio social entre Peregrinos e com a Comunidade Local (e, neste período, o potencial de contágio já é uma realidade). De que forma será possível retomar o "nosso" Caminho sem por em causa a Segurança?

- No próximo dia 18 de maio, pelas informações que estão disponíveis, já será possível, em Portugal, pegar na mochila e caminhar até Ponte de Lima (por exemplo). se não houver disponibilidade de alojamento em Ponte de Lima, será possível regressar de viatura própria a Barcelos ou recorrer a transportes públicos. No dia seguinte, caminhar até Valença… mas ainda não será possível passar a fronteira. Mas, haverá Caminho. De facto, com a abertura da fronteira Portugal/Espanha e disponibilidade de alojamento (mesmo que privados), poderá haver Caminho (neste caso, o Português). Em Gronze verifica-se que no dia 22 de junho já será possível circular em Espanha, ainda que dentro de fronteiras. Mas este não é o Caminho que estamos habituados, que conhecemos e que queremos. De que forma será possível haver Caminho sem o convívio dos Albergues e sem proximidade entre Peregrinos?

- Em comentários nas redes sociais mas, também, em algumas notícias, passa-se a ideia que os tradicionais Albergues de Peregrinos estão condenados no futuro por serem locais onde é impossível cumprir distanciamento social. De facto, os Albergues de Peregrinos não são "as melhores estruturas". Contudo, convém salientar que "espaços comuns" existem em todos os edifícios, nomeadamente em hotéis; casas de banho partilhadas existem, também, em todos os estabelecimentos de restauração e/ou em edifícios públicos. Assim, cumpre salientar que a necessidade de adaptação dos Albergues será semelhante às necessidades que outros tipos de estruturas também apresentamSerão os Albergues os “parentes pobres” na resposta à pandemia?  

- Por outro lado, a não menos relevante questão económica. Todas as estruturas associadas ao Caminho de Santiago, como são os Albergues, Alojamentos, Restaurantes, Bares e até o transporte de mochilas (outro movimento que será um potencial de disseminação do vírus) não têm capacidade económica para suportar muito tempo de paragem (ou muito tempo de funcionamento com elevadas restrições). No caso do Albergue Cidade de Barcelos (acolhimento por donativo, sem qualquer tipo de apoio público), embora os custos fixos não sejam significativos, uma redução de capacidade de acolhimento aliada ao aumento dos custos de funcionamento (eventualmente a utilização de produtos específicos para higienização, gel para as mãos, máscaras por Peregrino...), e a necessidade de garantir, em permanência, um Hospitaleiro voluntário para acolhimento dos Peregrinos (tanto para check in como para controlo de temperatura corporal, por exemplo)… não será viável por muito tempo. Além disso, podemos pedir a Hospitaleiros voluntários que, para além de doarem o seu tempo, se possam colocar numa situação de risco pessoal, pelo contacto diário com Peregrinos? Por outro lado, que garantia de acolhimento dará o Caminho de Santiago se os Albergues de Peregrinos só puderem acolher 4 ou 5 peregrinos por dia? Será a reserva prévia uma solução para os tempos de transição? Mas, por quanto tempo? Quem suportará o aumento dos custos? Os Peregrinos? Será um Caminho só "para ricos"? Sem sustentabilidade financeira todas estas estruturas de apoio a curto ou médio prazo irão fechar. E, nessa altura, vários pontos de apoio aos Peregrinos (associativos e/ou privados) irão desaparecer.

São várias as perguntas que, nesta altura, carecem de resposta. A nossa Associação não tem essas respostas. E, por isso, desafiou toda a Comunidade de Peregrinos, Hospitaleiros e Amigos do Caminho de Santiago para, em conjunto, encontrar-se a melhor saída para as principais questões pendentes.

A "conversa informal" pode ser encontrada aqui (vídeo no Facebook). Com moderação de Nuno Rodrigues, contou com intervenções de Lúcio Lourenço (Associação ACB - Albergue Cidade de Barcelos), Dr. José Beleza (vereador do Pelouro do Turismo do Município de Barcelos), Celestino Lores, Acácio da Paz, João Medeiros, Rafael Monteiro, Albino Marques, Abel Ribeiro, Óscar Andrade e António Herculano.

Para que tenhamos, todos, um Bom Caminho!


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